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Santo Irineu de Lião - A VERDADEIRA TRADIÇÃO

Santo Irineu de Lião - A VERDADEIRA TRADIÇÃO


A VERDADEIRA TRADIÇÃO*
Santo Irineu de Lião¹

Portanto, a tradição dos apóstolos, que foi manifestada no mundo inteiro, pode ser descoberta em toda Igreja por todos que queiram a verdade. Poderíamos enumerar aqui os bispos que foram estabelecidos nas Igrejas pelos apóstolos e seus sucessores até nós; e eles nunca ensinaram nem conheceram nada que se parecesse com o que essa gente vai delirando. Ora, se os apóstolos tivessem conhecido os mistérios escondidos e os tivessem ensinado exclusivamente e secretamente aos perfeitos, sem dúvida os teriam confiado antes de a mais ninguém àqueles aos quais confiavam as próprias Igrejas. Com efeito, queriam que os seus sucessores, aos quais transmitiam a missão de ensinar, fossem absolutamente perfeitos e irrepreensíveis em tudo, porque, agindo bem, seriam de grande utilidade, ao passo que se falhassem seria a maior calamidade.
Mas visto que seria coisa bastante longa elencar, numa obra como esta, as sucessões de todas as igrejas, limitaremos à maior e mais antiga e conhecida por todos, à igreja fundada e constituída em Roma, pelos dois gloriosíssimos apóstolos Pedro e Paulo, e, indicando a sua tradição recebida dos apóstolos e a fé anunciada aos homens, que chegou até nós pelas sucessões dos bispos, refutaremos todos os que de alguma forma, quer por enfatuação ou vanglória, quer por cegueira ou por doutrina errada, se reúnem prescindindo de qualquer legitimidade. Com efeito, deve necessariamente estar de acordo com ela, por causa da sua origem mais excelente, toda a igreja, isto é, os fiéis de todos os lugares, porque nela sempre foi conservada, de maneira especial, a tradição que deriva dos apóstolos.
Os bem-aventurados apóstolos que fundaram e edificaram a Igreja transmitiram o governo episcopal a Lino, o Lino que Paulo lembra na carta e Timóteo². Lino teve como sucessor Anacleto. Depois dele, em terceiro lugar, depois dos apóstolos, coube o episcopado a Clemente, que vira os próprios apóstolos e estivera em relação com eles, que ainda guardava viva em seus ouvidos a pregação deles e diante dos olhos a tradição. No pontificado de Clemente surgiram divergências graves entre os irmãos de Corinto. Então a Igreja de Roma enviou aos coríntios uma carta importantíssima para reuni-los na paz, reavivar-lhes a fé e reconfirmar a tradição que há pouco tempo tinham recebido dos apóstolos, isto é, a fé num único Deus todo-poderoso, que fez o céu e aterra, plasmou o povo do Egito, conversou com Moisés, deu a economia da Lei, enviou os profetas, preparou o fogo para o diabo e os seus anjos. Todos os que quiseram podem aprender desta carta que este Deus é anunciado pelas Igrejas como o Pai de nosso Senhor Jesus cristo e conhecer a tradição apostólica da Igreja,porque mais antiga do que os que agora pregam erradamente outro Deus superior ao Verbo e Criador de tudo que existe.
A este Clemente sucedeu Evaristo; a Evaristo, Alexandre; em seguida, sexto depois dos apóstolos foi Sisto; depois dele Telésforo, que fechou a vida com gloriosíssimo martírio; em seguida Higino; depois Pio; depois dele, Aniceto. A Aniceto sucedeu Sóter e, presentemente, Eleutério³, em décimo segundo lugar na sucessão apostólica, detém o pontificado. Com esta ordem e sucessão e a pregação da verdade. Esta é a demonstração mais plena de que é uma e idêntica a fé vivificante que, fielmente, foi conservada e transmitida, na Igreja, desde os apóstolos até agora.
Podemos ainda lembrar Policarpo4, que não somente foi discípulo dos apóstolos e viveu familiarmente com muitos dos que tinham visto o Senhor, mas que, pelos próprios apóstolos, foi estabelecido bispo da Ásia, na Igreja de Esmirna. Nós o vimos na infância, porque teve vida longa e era muito velho quando morreu com glorioso e esplêndido martírio. Ora, ele sempre ensinou o que tinha aprendido dos apóstolos, que também a Igreja transmite e que é a única verdade. E disso que dão testemunho todas as Igrejas da Ásia e os que até hoje sucederam a Policarpo, que testemunha a verdade bem mais segura e digna de confiança do que Valentim5e  Marcião6 e outros perversos doutores. É ele que no pontificado de Aniceto, quando esteve em Roma, conseguiu reconduzir muitos destes hereges, de que falamos, ao seio da Igreja de Deus, proclamando que não tinha recebido dos apóstolos senão uma só e única verdade, aquela mesma que era transmitida pela Igreja. E há os que ouviram dele que João, o discípulo do Senhor, tendo ido, um dia às termas de Éfeso e tendo notado Cerinto7 lá dentro, precipitou-se para a saída, sem tomar banho, dizendo ter medo que as termas desmoronassem, porque no interior se encontrava Cerinto, o inimigo da verdade. O próprio Policarpo, quando Marcião, um dia, se lhe avizinhou e lhe dizia: “Prazer em conhecê-lo”, respondeu: “Eu te conheço como primogênito de Satã"; tanta era a prudência dos apóstolos e dos seus discípulos, que recusavam comunicar, ainda que só com a palavra, com alguém que deturpasse a verdade, em conformidade com o que Paulo diz: “Hereticum hominem post unam et secundam correptionem devita sciens quia subversus est qui ejusmodi est et delinquit proprio judicio condemnatus8. Existe também uma carta importantíssima de Policarpo aos filipenses na qual os que desejam e se importam com a sua salvação podem conhecer as características da sua fé e a pregação da verdade. Também a igreja de Éfeso, que foi fundada por Paulo e onde João morou até os tempos de Trajano9, é testemunha verídica da tradição dos apóstolos.
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Notas:
* Adversus haereses (Contra as Heresias)
Santo Irineu de Lião, nasceu provavelmente no ano 130 em Esmirna, foi discípulo de Policarpo de Esmirna, discípulo do apóstolo João.
Cf. 2Tm 4,21
Papa São Eleutério seu pontificado foi entre 174 e 189.
Bispo de Esmirna, foi ordenado pelo apóstolo João, nasceu em 69 e foi martirizado em 155.
Valentim fundo um movimento gnóstico no século II que levava o seu nome, Valentianismo.
 Marcião de Sínope (85 – 160) criador do marcionismo que propunha dois deuses distintos um no Antigo Testamento e outro no Novo Testamento.
 Cerinto seguia a lei judaica, usava o evangelho dos hebreus e negava que Deus tinha criado o mundo físico e a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. No seu entendimento o espírito de Cristo veio a Nosso Senhor em sua batismo, abandonando-o momentos antes da crucificação.
8 Tt 3, 10-11.
Marco Úlpio Nerva Trajano (53 – 117) Imperador Romano de 98 a 117.

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